Aplicação do princípio do melhor interesse da criança na regulamentação da guarda, visitas e pensão de alimentos.
Data: 15/07/2020
Autor: Martina Catini Trombeta
Em primeiro momento é importante que se tenha a consciência que um filho em comum vai além da relação conjugal e afetiva, e que o vínculo de filiação se perpetuará para além da existência ou inexistência de uma relação afetiva entre os pais.
A “existência ou inexistência” de relação afetiva entre os pais é essencialmente o ponto a ser trabalhado e conscientizado para que se possa regulamentar de maneira eficaz a guarda, as visitas e a pensão de alimentos ao filho ou filhos em comum.
Quando surge a necessidade de tais regulamentações, é comum que os pais passem a depositar todas as suas magoas, fragilidades, situações que não foram bem resolvidas entre o casal, fazendo o uso do filho em comum como instrumento de manipulação e eterna importunação do outro genitor.
Se pudéssemos comparar a disputa de interesses entre dos pais a uma guerra, poderíamos dizer que a criança ou o adolescente ocupariam o front de combate, sofrendo todos os ataques, que não lhes dizem respeito na maioria das vezes a eles, mas sim aos pais, priorizando egoisticamente, seus interesses pessoais.
Falar do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente e a sua aplicação no Direito Brasileiro, devido a sua influência e origem nos Direitos Humanos, serve como baliza na tomada das melhores decisões na regulamentação da guarda, visita e pensão de alimentos.
Deveria estar sedimentado na mentalidade dos pais como fator determinante na manutenção de um relacionamento saudável com o outro genitor, pela conscientização de que o vínculo que os une (o filho) não deve ser submetido a violações psicológicas externas e egoístas.
No âmbito dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente foi quem previu pela primeira vez os direitos das crianças de maneira individualizada, e não apenas como integrante do grupo familiar.
Em nossa constituição, o melhor interesse da criança é tratado de maneira genérica, já o estatuto da criança e do adolescente prevê com a doutrina da proteção integral e denomina como “interesse superior da criança e do adolescente” (Constituição Federal art. 227, caput, e Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 1º, 10, e 11 e 100 parágrafo único, IV).
Aplicar o princípio do melhor interesse da criança na tomada de decisões concretas que envolvem guarda, visita e pensão torna clara e eficaz a influência do programa constitucional orientado para as normas da infância, materializando às crianças e adolescentes a dignidade, a liberdade e a autonomia, que tornam exigíveis o direitos de não violação e respeito.
Falar da guarda, envolve definir se ela será unilateral (ou seja, de apenas um dos pais), ou compartilhada. Nesse momento, vale dizer que em um cenário ideal, a criança ou adolescente devem ter a convivência harmônica com ambos os genitores, sendo que o processo educacional, é em parte de responsabilidade de ambos os pais, que devem proporcionar o desenvolvimento da autonomia infanto-juvenil.
Quando há essa convivência harmônica, a tendência é que se fixe a guarda compartilhada entre os genitores. Muito comum é que, mesmo com a guarda compartilhada, se fixe uma “residência fixa”, que será a referência de onde aquele filho reside. O objetivo da residência fixa é proporcionar segurança para a criança ou adolescente, sabendo ao certo onde mora e que não está “largado entre duas casas” ou que vive de mudança de uma para a outra.
Há situações em que os conflitos entre os pais ou a distância física entre as casas, impedem a fixação da guarda compartilhada. Nesses casos pontuais a guarda unilateral passa a ser a que melhor atende as necessidades daquele filho.
Importante que se saiba que a guarda compartilhada não exime a obrigação de pagar alimentos ao filho. Leia-se, a pensão de alimentos é devida ao “filho”, e não genitor que administra os valores. Além do que, a pensão deve ser fixada dentro de parâmetros de “necessidade e possibilidade”.
Avalia-se a necessidade do filho e a possibilidade dos genitores, para que então se chegue em um valor, montante ou rol de obrigações que cada qual se incumbirá.
Qual a regra? Em números e por construção jurisprudencial (várias decisões em vários casos semelhantes), fala-se em 30% dos rendimentos. Essa é uma conta “justa”, porém não absoluta, pois pode haver outros filhos, necessidades especificas de saúde ou financeiras que não permitam o percentual parâmetro, ou também que permitam a contribuição com um percentual acima desse.
E as visitas? Como ficam? Muitos pais ou até mesmo os filhos se questionam se são obrigados a ir às visitas exatamente como está no papel. Ou ainda, de precisam colocar a regra exata do famoso “fim de semana do pai, fim de semana da mãe, férias do pai, férias da mãe”…
O objetivo e que os filhos e os pais tenham uma dinâmica equilibrada, harmônica e ecológica, onde flexibilizações são permitidas. O intuito é que as crianças e adolescentes possam fazer escolhas próprias, pondere as consequências, a fim de que se tornem pessoas responsáveis e livres, que dialoguem com os sobre as vontades de ir ou não, e principalmente que essas vontades sejam motivadas.
Tratar as crianças e adolescentes faz parte de um processo educacional diário, que busca a fornecer instrumentos para que contribuam para a tomada de decisões a eles relacionadas, tornando efetiva a mudança de paradigma refletida na afirmação da criança como sujeito de direitos.
A postura dos pais, em estarem comprometidos com o processo educacional dissociados da relação afetiva pessoal que deu origem ao nascimento dos filhos está estritamente relacionado a concretização do princípio do melhor interesse da criança, superando a concepção da criança ou adolescente apenas como objeto de proteção, que passam a ocupar a posição de pessoa, com status de valor central do ordenamento.
Referências Bibliográficas
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