O garantimos penal como defesa dos direitos humanos em tempos de pandemia.
Data: 08/07/2020
Autor: Martina Catini Trombeta
Vamos falar sobre o sistema prisional e o direito a dignidade e a saúde? Quais os limites do poder punitivo? O que é garantismo penal e quais suas aplicações nos tempos de pandemia?
A pandemia criou uma situação de perigo nas instituições totais em geral (nas quais se incluem manicômios, prisões e conventos), mas iremos nos ater ao sistema prisional.
A OMS, o subcomitê de tortura, a corte interamericana, comissão interamericana, estão ocupando-se de relatórios e orientações aos países com o intuito de amenizar a pandemia e zelar por um Estado de direito pautado em uma missão de contenção.
As cadeias, com a própria população penal apresenta riscos equiparados a uma verdadeira bomba de vírus.
O problema da população carcerária já existe pré pandemia, e a situação atual traz um olhar especial para tais questões.
Quando se fala em pena de prisão, sabe-se que ela consiste em privação de liberdade, mas não em uma privação de direitos humanos como vida, saúde, dignidade.
No Brasil a questão prisional é um problema de segurança nacional, sendo que se fala em torno de 800 mil presos em situações desumanas, e muitos deles estão presos sem que haja uma sentença final condenatória.
A morosidade dos julgamentos é uma realidade, por diversas razões, e dentre elas a compartimentalização do sistema (em órgãos estanques, ou seja, aguarda-se resposta, de por exemplo, de assistentes sociais, conselhos tutelares, oitivas de testemunhas, polícia federal, civil…).
São diversos os órgãos aos quais se deve esperar e a vinculação ao processo penal como causa da demora dos processos acaba por agravar a situação dos presos em superlotação do sistema prisional.
É uma bomba relógio, que faz com que os presos tenham a liberdade restrita sem que haja, ainda, uma sentença condenatória, o que leva a uma banalização do processo penal e do discurso penal, como se fosse “comum” aguardar preso a sentença condenatória.
Tais reflexões do sistema penal não são novidade, porém, é oportuno falar desses aspectos dentro do presente cenário de pandemia. Instituições totais são por si só uma bomba relógio ao vírus.
O racionamento de água, superlotação das celas com pessoas dividindo colchões e a presença de equipes de saúde em apenas um terço das unidades impedem o controle da doença.
Para que se saiba, em um balanço divulgado pelo CNJ as prisões brasileiras registraram no início de junho um aumento de 800% nos casos de infecção pelo COVID-19 em relação a maio.
O problema da superlotação carcerária e o fato da população presa no Brasil ser a terceira maior do mundo, ocupa as instituições internacionais de direitos humanos, pois nem todos os presos foram testados e eventualmente nem o serão. Fato que pode levar a uma realidade de subnotificações escondendo um cenário muito mais grave do que o divulgado.
Desde o início de março de 2020, passou-se a falar no Conselho Nacional de Justiça, em um desencarceramento racional visando amenizar a superlotação, e minimizar a disseminação do vírus.
Note-se que, por ser uma orientação, não tem a obrigatoriedade de ser seguida, porém é uma orientação aos magistrados, para que revejam as prisões de pessoas pertencentes aos grupos de risco, que não tenham que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça (como latrocínio, homicídio e estupro), bem como que não pertençam a organizações criminosas.
Sem dúvida, a realidade das instituições prisionais expõe os presos em condições que violam a dignidade e a saúde.
O nosso modelo de direito internacional humanitário têm a obrigação e função vital de evitar o desastre de um poder punitivo. Para que o poder punitivo não se equipare a um genocídio.
Notas:
A presente opinião legal de Martina Trombeta baseia-se em apontamentos da conferência de Eugênio Raul Zaffaroni no XI Internacional de Direitos Humanos promovido pela Escola de Magistratura do Estado do Tocantins (painel 7 transmitida em 07/07/2020).
As informações e orientações sobre a população carcerária foram extraídas do www.cnj.jus.br