Big Brother dos abusadores
Data: 19/06/2020
Autor: Martina Catini Trombeta
O ser humano necessita orgânica e fisiologicamente de relações sociais para a manutenção da saúde física e mental.
Em termos simples, segundo estudos da neurociência, quando estamos em privação de relações sociais, a “sensação” de dor transmitida pelo cérebro sai do mesmo local orgânico que se sentimentos uma dor física.
Podemos compreender a fisiologia da nossa mente analisando, de uma forma muito familiar, como transparecemos em palavras as nossas dores. Notem o quão comum é dizer ou ouvir que determinada pessoa “feriu” os sentimentos, ou que o coração está “partido”.
Em geral, não nos damos conta do quanto precisamos de interação com outros seres humanos para a manutenção da nossa saúde física e mental. Sabemos, igualmente, que algumas pessoas são mais sociáveis, afetuosas, “profundas” e que outras são mais “fechadas”, distantes e até intituladas como “antissociais”.
Sem adentrarmos nas particularidades do modo de ser de cada ser e de nos relacionarmos com os outros serem humanos, fato é que o contato social é uma necessidade vital e fisiológica das pessoas.
Me valho dessa rápida introdução ao assunto “contato social” para tratar de um tema que já era desafiante em tempos de facilidade de contato social, e que se potencializaram com recomendação ao isolamento.
Vamos falar das diversas formas de relacionamentos abusivos e situações de violência, física e psicológica vivenciadas por muitas pessoas, sejam em relacionamentos afetivos, situações de “apadrinhamento” quando alguém com um poder aquisitivo maior “voluntariamente” ajuda alguém, também em situações de coabitação, ou ainda em idosos ou pessoas portadoras de necessidades especiais que têm a presença de um terceiro para cuidados vitais.
Essa é uma realidade que sempre foi de desafiante detecção e abordagem, e que nos tempos atuais têm suas barreiras de identificação potencializadas pela privação das relações sociais.
Ao mesmo tempo que as pessoas em situação de violência não sabem como “darem o sinal” que precisam de ajuda por estarem em vigilância integral de seus abusadores, aqueles que estão de fora, muitas vezes não sabem como agir, pelas mesmas razões: a vigilância do abusador está integral, e qualquer abordagem não assertiva pode ser um risco, causar danos, ou até mesmo fatal.
Estamos em tempos do “big brother” dos abusadores.
Termo pesado não é mesmo? Mas vejam só: voltemos a falar das conexões sociais “comuns” há pouco tempo atrás e sobre o que fazíamos para “espairecer”.
Alguns davam uma passadinha no shopping, outros iam ao salão de beleza, também era comum chamar alguns amigos pra um encontro fora da rotina.
Íamos com muito mais frequência na casa de nossos filhos, pais e familiares em geral.
O ambiente de trabalho permitia esticar o dia um pouco mais para focar um projeto ou adiantar tarefas.
As academias de ginástica, a igreja, cursos extras, atividades voluntárias…
Pois bem, razões e válvulas de escape é que não faltavam. E nesses momentos, conseguíamos dar sinais que estávamos em risco, ou nos permitia identificar um pouco melhor se o outro precisava de ajuda.
O simples contato social em diversos ambientes e comportamentos, apenas como exemplo acima mencionados, nos permitia conectar com as pessoas.
É tempo de empatia e solidariedade.
Vivemos um momento que o outro nunca foi tão importante, o que está nos detalhes.
Em tempos de isolamento social, não há dizer que estamos em nossa plena capacidade mental por razoes orgânicas. Os álibis usuais e facilidades de conexão estão vetados.
Os abusadores estão em vigilância em 95% do tempo de submissos ou vítimas, e a abordagem no 5% do tempo restante, quando possível, deve ser pontual, assertiva e principalmente deixando a janela aberta para uma eventual saída da pessoa que está em situação de violência.
Criar esse elo com as pessoas que precisam tem sido um grande desafio, e onde devemos exercer um trabalho informativo e educativo, com a abordagem daqueles que fazem parte da nossa rede de contato, em atenção aos nossos entes especiais, que podem estar em situação de risco.
Vamos nos conectar com o que faz sentido, isolamento não é esquecimento.