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COMO FICAM AS RELAÇÕES CONTRATUAIS EM GERAL NO PERÍODO DE CALAMIDADE PÚBLICA

Data: 08/04/2020
Autor: Luis Marcelo Mucin

A situação extraordinária de Calamidade Pública, que inclusive já foi reconhecida pelo Governo Federal em todo o território nacional fenômeno, em decorrência da pandemia mundial do Coronavírus (Covid-19), demonstra de modo inequívoco, a superveniência de evento de força maior em escala monumental, afetando de forma generalizada, praticamente todas as relações contratuais vigentes no pais.

Tal situação é anômala e inédita, tendo provocado a interrupção dos contratos entre consumidores e fornecedores e todas as outras relações contratuais em vigor, independente de qual era a relação firmada pelas partes, sem que se possa imputar culpa a nenhuma das contratantes. Mas muito mais do que isso, não sendo possível sequer atribuir nexo de causalidade às partes contratantes, já que nenhuma delas deu causa ao irresistível e inevitável que se espalha em proporções assustadoras e inimagináveis.

Assim, diversos contratos perderam totalmente a utilidade para, ao menos uma das partes, portanto neste momento, o ideal seria que os contratantes independente de que relação contratual possuem, espontaneamente, discutissem os termos de uma repactuação das obrigações e chegassem a um consenso sobre valores diferenciados para esse período de turbulências de impacto mundial.

Importante relembrarmos uma vez mais, que diante deste cenário de pandemia, somado à declaração do estado de calamidade pública, ficam afastadas tanto a culpa, quanto o nexo de causalidade em relação aos fornecedores, dificultando o posicionamento inflexível junto à mesa de negociações. Desta forma, ante situação atual não é possível se equiparar à hipótese de previsão empresarial do chamado risco do negócio. É fato que as relações contratuais não poderão seguir, tal como estão sem que haja diálogo e consenso entre as contratantes.

Por certo, em razão de tudo isso, o equilíbrio, o bom senso, a boa vontade e a boa-fé devem sempre prevalecer nas relações contratuais que terão que, neste momento, serem revistas e repactuadas caso a caso, não existindo uma regra geral ou modelo que deva ser seguido.

Assim, feitas estas considerações iniciais é importante deixarmos claro que, caso não haja consenso e as partes  não cheguem a um acordo de forma amigável e espontânea, uma grande parte das relações contratuais gerarão inúmeros conflitos, que fatalmente terminarão nas mãos do Poder Judiciário, que já abarrotado de demandas em curso, irá se deparar com mais um grande desafio.

Outro ponto de grande relevância neste momento e que aqui pretende-se abordar com um pouco mais de detalhe, são em especial as relações locatícias, já que atualmente grande parte dos brasileiros vive ou tem seus negócios em imóveis locados e por certo os Contratantes, Locador e Locatário, se não se ajustarem de forma amigável, irão se socorrer do Poder Judiciário, onde o Locatário tentará obter uma redução do valor do aluguel enquanto perdurar essa situação de anormalidade.

É fato que os contratos são feitos levando-se em consideração a realidade que se vivia na época de suas formalizações, e dentro desta realidade, e por obvio, os contratos são feitos para serem cumpridos em sua totalidade.

O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor preveem algumas excepcionalidades em sua execução, desta forma, sempre que houver alguma alteração na realidade da situação em razão de algo imprevisível, inimaginável e que, em razão disso, esse contrato se torne excessivamente vantajoso para apenas um dos contratantes e consequentemente muito prejudicial a outra parte, o contrato poderá ser revisto, valendo-se nestes casos de conflito de interesses, do Poder Judiciário.

Com relação aos contratos de locação é fato que estes foram firmados imaginando-se uma situação de normalidade, porém um fato imprevisível e impensável ao momento das  assinaturas, o coronavírus, surgiu e alterou por completo a normalidade do país e a execução deste tipo de relação contratual, e não só as relações locatícias de imóveis residenciais, mas principalmente as locações com objetivo comercial.

Pois bem, pensando-se nos contratos de locação comercial, onde para os Locatários, o contrato de locação que se encontra vigente, e em razão de uma situação imprevisível, este tornou-se extremamente prejudicial e demasiadamente oneroso, ao passo que ele continua extremamente benéfico ao Locador, que é o proprietário do imóvel, e que não sofrerá nenhuma perda, já que é ele que deve receber os alugueis e demais encargos, mesmo estando o comércio do Locatário fechado em razão do estado de calamidade pública que culminou com decretos de isolamento social, editados por Governadores e Prefeitos em praticamente todas as regiões do país.

É por isso que o ideal neste momento é que as partes não entre em atrito, gerando ainda mais problemas, mas sim que negociem e se entendam amigavelmente, mas se isso não for possível, os contratantes, poderão recorrer à Justiça para que esta resolva o conflito entre as partes.

O Código Civil, no artigo 478, dispõe que: nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. E no âmbito judicial, os efeitos da sentença que decretar a resolução, retroagirão à data da citação.

E ainda, seguindo o mesmo entendimento, temos o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu texto legal define que a revisão contratual poderá ocorrer com a modificação das cláusulas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas à apenas uma das contratantes.

Na mesma seara encontram-se os contrato de locação em shopping centers, que são contratos atípicos de locação (Também Regulados pela Lei nº 8.245/91 – Lei de Locações), pois possuem particularidades que apenas estes possuem, já que além do aluguel mensal, a grande maioria dos Locatários (Lojistas) ainda tem que arcar com as despesas condominiais comuns e as privativas, além do fundo de promoção.

A recomendação nestes casos é a mesma, que todos se conciliem da melhor forma junto dos seus Locadores (Empreendedores), pois da mesma forma, o contrato neste momento da pandemia, tornou-se excessivamente onerosos a apenas uma das partes (lojistas) que se viram obrigados a fechar suas portas, por determinação do Poder Público, mas suas despesas locatícias não estão suspensas legalmente neste primeiro momento.

Especificamente para estes contratos de locação, observamos que as grandes administradoras de shoppings têm atuado no sentido de suspenderem a cobrança dos alugueis enquanto os empreendimentos permanecerem fechados, e ainda com redução no Fundo de Promoção e no Condomínio que estão sendo estudadas, caso a caso, de acordo com a realidade de cada empreendimento.

Antes de finalizarmos esta breve análise é importante destacarmos que o Senado Federal aprovou no último dia 03/04/2020 um projeto de Lei (Projeto de Lei nº 1.179/2020) onde fica proibida pelo Poder Judiciário a concessão de liminares que autorizam o despejo até o próximo dia 30/10/2020, em todas as ações propostas após o dia 20/03/2020. Esse dispositivo não proíbe o despejo ao final do processo.

Ele veda apenas o despejo no início do processo por força de liminar. Essa regra justifica-se porque, nesse momento atual de restrição de circulação de pessoas, fica muito difícil que uma pessoa seja desalojada e consiga um outro local para alugar.

Destacamos que o texto do Projeto de Lei não indica se esta disposição valeria apenas para as Locações Residenciais ou se abarcaria as Comerciais, porém com a justificativa do autor do projeto é manter a restrição de circulação de pessoas, pois estas, se desalojadas dificilmente encontrarão rapidamente outro local para locar, entendemos que esta disposição aplica-se apenas em face das locações residenciais, mas ainda podem haver interpretações diferentes, que merecerão nossa analise posteriormente.

Importante destacarmos que este projeto de Lei contém regras que, se aprovadas pela Câmara e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro, valerão até 30 de outubro ou até a revogação do decreto de calamidade pública no país. A ideia é justamente criar normas excepcionais para lidar com o cenário imposto pela pandemia nas relações de direito privado.

Este projeto de Lei trata ainda de diversos outros assuntos que impactam diretamente no cotidiano nas relações de direito privado de diversas pessoas jurídicas e pessoas físicas.

Enfim, neste momento a melhor solução é que sempre deverá prevalecer o bom senso e o acordo entre as partes, visando sempre a diminuição dos conflitos e das demandas judiciais.

Diante de quaisquer dúvidas, permaneceremos inteiramente à disposição pelos nossos meios on line, (email, whatsapp e telefone).

(Artigo escrito por Luis Marcelo, advogado da equipe Catini Trombeta).