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O que é imposto de guerra?

Imposto de guerra em tempos de pandemia?

Data: 19/08/2020
Autor: Martina Catini Trombeta

A comparação entre a crise sanitária e a guerra é metafórica em relação ao fato em si, porém adequada no que se refere aos efeitos devastadores da Covid-19, seja pelo número de mortes, aumento do desemprego e agravamento das situações de pobreza.

No Brasil, muitos auxílios emergenciais tem sido lançados pelo Governo Federal para amenizar a situação desastrosa vivenciada por todos, mas o que vai acontecer quando acabarem os subsídios de emergência e não existirem novos trabalhos?

Os investimentos em saúde, ajudas a famílias mais vulneráveis, desempregados e todas as empresas afetadas pela paralisação da atividade econômica até o momento tem tido apoio.

Por outro lado, é fato que algumas corporações se beneficiam, enquanto os valores pagos pelos contribuintes têm sido destinados, de uma forma ou se outra, para os programas do Governo Federal.

Frente a esse cenário com péssimo prognóstico, alguns especialistas colocam como eventual solução a criação de um “imposto sobre lucros extraordinários” para as empresas que estão aumentando em muito os seus ganhos com a crise sanitária.

Historicamente, em épocas de conflito, os governos sempre tiveram que viabilizar o suporte e financiamento e custeio de situações extraordinárias e emergenciais.

Mesmo com as especificidades de cada país, o denominador comum sempre foi contribuir para custear a guerra e evitar que as empresas que crescem durante esse período se beneficiassem com a destruição generalizada.

O que é o imposto extraordinário de guerra?

Podemos conceituar o imposto extraordinário de guerra como uma exação instituída para ampliar os recursos do Estado no caso de guerra declarada ou na iminência de sua ocorrência.

No âmbito internacional surgiu nos momentos de guerra, a exemplo da Europa, que durante as duas Grandes Guerras Mundiais fez o uso dessa manobra tributária para angariar recursos.

No que se refere ao Brasil, em 1944 sob o governo de Getúlio Vargas, foi assinado um decreto presidencial que instituiu um imposto sobre lucro extraordinário nestes moldes acima traçados.

Sendo que o parâmetro de normalidade dos lucros, para se instituir o que seriam considerados acima da normalidade, no caso do Brasil, tomou-se por base as médias de crescimento obtidas pelas empresas entre os anos de 1936 e 1940.

Atualmente, a base legal brasileira aos impostos extraordinários pode ser encontrada tanto Constituição Federal de 1988 quanto no Código Tributário Nacional. De fato, os impostos extraordinários são de suma importância ao Estado.

No cenário atual, conforme já dito, temos uma situação de crise sanitária que a devastação poderia ser equiparada as situações de guerra.

E nesse cenário, temos empresas que tiveram aumento de lucros durante a pandemia, como por exemplo as grandes farmacêuticas e as empresas de tecnologia que aumentaram significativamente seus lucros durante a pandemia do COVID-19.

Em entrevista à BBC News  Reuven Avi-Yonah, professor de Direito e diretor do Programa Internacional de Impostos da Universidade de Michigan, externalizou a sua opinião legal no sentido de instituir o referido imposto de lucros extraordinários, para evitar o enriquecimento de oportunistas.

Reflexões à luz internacional e humanitária

Encarar a criação de impostos com o intuito de amenizar os impactos da crise sanitária pode ser encarado sob a ótica da missão de compartilhamento com a situação financeira e econômica em uma visão mais humanitária.

À luz dos direitos humanos, me valho do Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1992, artigo 1º):

1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

2. Para a consecução de seus objetivos, todos os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus recursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da cooperação econômica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo, e do Direito Internacional. Em caso algum, poderá um povo ser privado de seus próprios meios de subsistência.

Invocando o que chamamos princípio do proveito mútuo e do Direito Internacional, falar em compartilhamento humanitário, instituindo o referido imposto seria injetar na economia mundial subsídios para o amparo ao gigantesco custo econômico da pandemia.

O intuito é a promoção da solidariedade nacional de forma que falar em uma aplicação internacional amplia as chances de sucesso.

A exceção vivida hoje pode ser considerada como um interesse superior do Estado e a necessidade de sua própria sobrevivência, o que equivale a premente necessidade pública e estado de necessidade.

A crise sanitária não é em realidade uma guerra convencional, porém invocar uma interpretação extensiva ao artigo 154, inciso II, da Constituição Federal, para a instituição do imposto extraordinário em casos de devastação semelhante, tem de fato sido estudado e apontado por estudiosos internacionais, conforme expusemos no corpo do presente texto.

A paralisação de diversos setores da economia, levando a um cenário de calamidade e devastação muito maior que aqueles ocorridos em uma guerra externa ou calamidades outras já ocorridas ao longo da história, faz surgir as presentes ponderações.

O principal questionamento é quem vai pagar os custos da pandemia.

Falar em solidariedade internacional, cooperação entre entes, Estados e setores da economia, em um espirito colaborativo para com a busca de soluções, é o caminho diante da devastação inquestionável.