As mulheres muçulmanas e o multiculturalismo: uma questão de interpretação ou violação do direito fundamental à igualdade?
Data: 16/07/2020
Autor: Martina Catini Trombeta
O conceito de multiculturalismo diz respeito às diferentes culturas espalhadas pelo mundo e a maneira como se estruturam essas sociedades em relação a convivência harmônica entre os aspectos cultural, político, econômico e jurídico.
Os costumes, refletem em comportamentos e tratamentos das instancias formais e informais de controle, por influência na forma de pensar, sedimentados através de séculos, por serem replicados pela comunidade de geração para geração.
O respeito ao multiculturalismo é uma premissa. Porém alguns costumes interferem em conceitos universais de direitos humanos por ferirem a dignidade da pessoa humana, seja com tratamentos que violam psicologicamente as mulheres, com rituais que violam a integridade física ou desigualdades jurídicas e políticas, que mesmo que analisadas sob a ótima multicultural, ferem os direitos humanos universalmente.
A analisarmos os aspectos de tratamento da mulher no casamento muçulmano, em respeito às diferenças culturais e legais de divórcio, poligamia, tratamento na sociedade, exigem um olhar empático e tênue para identificar se há efetivamente uma violação aos direitos humanos, ou se se tratam apenas de aspectos culturais, que não necessitaria da mobilização dos direitos humanos internacionais.
Direito a igualdade e equidade.
Em aspectos globais exige-se o dever e direto de igualdade na aplicação da lei. Ou seja, a aplicação deve ser aplicação igualitária e pautada em princípios e normas jurídicas válidas.
Pois bem, quando se fala da estrutura da igualdade na criação e aplicação do direito, a premissa de que todos devem ser tratados de forma igual pelo legislador merece algumas considerações.
Em uma balança criteriosa a equidade possibilita a não inserção de todos na mesma vala jurídica. Ou seja, padronizar a igualdade em uma aplicação indistinta de leis igual pode agravar a desigualdade por ferir os aspectos culturais. Violação, essa, que se equipara a uma agressão, sob as vestes de igualdade universal.
Entender que nem que vivem sob a mesma ecologia e que não se encontram em situações iguais, o que se explica com base ao conceito de multiculturalismo, possibilita o olhar empático sob a ótica dos direitos humanos.
Portanto o enunciado geral da igualdade não deve padronizar sem ponderações especiais a aplicação de regras. O olhar empático tem melhor eficácia se pautado em equidade, pois objetivamente a premissa a ser buscada é de que “o igual deve ser tratado igualmente, o desigual desigualmente” [1]
No âmbito Internacional de Direitos Humanos temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), abaixo transcritos.
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade” (artigo 1)
“Todos são igual perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. (artigo 7º)
“Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida seus direitos e obrigações ou das razoes de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida”. (artigo 10)
A Visão Direitos Humanos e a Igualdade no Islamismo
O fundamentalismo é um dos grandes desafios na igualdade das mulheres pois as leis que o regem estão fora do contexto de interpretação global, e baseiam-se no Corão e na Sharia, que são uma grande barreira para o ingresso dos Direitos Humanos Internacional, em uma visão global e ocidentalizada.
A religião islâmica, pautado na soberania da cultura Muçulmana, tende a dizer que o Corão, protege os direitos humanos, de acordo com o espirito de suas leis e religião. Que se baseia e nas raízes do status da mulher no século XVII, na sociedade árabe, e não no contexto visto nos dias de hoje.
Pondera-se o olhar às leis islâmicas e as discrepâncias obvias entre o islamismo e os parâmetros de direitos humanos internacionais, sendo que a coexistência entre sistemas é contraditória, conforme as ponderações abaixo.
- O islã declara a religião oficial dos Estados Muçulmanos, sendo que nenhuma lei é compatível, sendo nulas todas aquelas de caráter internacional;
- São conservadores na linha de interpretação do Alcorão, fazendo o uso de polícia oficial para tanto, o que consiste em uma forte reprimenda;
- O aspecto secular é falho, pois a maioria da população muçulmana quer viver por seus padrões religiosos, um direito reconhecido internacionalmente nas leis dos direitos humanos, o que acaba por gerar conflitos, devido ao fato da não aceitação do ingresso do sistema internacional.[5]
Desafio da compatibilidade
O Comitê para a Eliminação da Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW Committee), quando de sua Recomendação Geral n. 21 abordou a questão da poligamia de forma direta, bem como expressamente condenou a sua prática.
Acerca do artigo 16 da CEDAW, o Comitê afirma que “o casamento poligâmico contraria uma mulher” ao direito à igualdade com os homens, e podem ter graves consequências tanto em seu aspecto emocional como financeiro.
O Comitê atenta-se ao fato de que em casamentos polígamos muitas vezes têm, essas mulheres, de viver sob condições adversas, quais sejam: a divisão da casa entre si, dos meios de apoio e, do marido, de modo que, coabitar com as demais esposas é desafiador.
Há, portanto, uma colisão direta com o princípio da igualdade, o que acaba impactando na vida dos filhos também, pela inexistência do direito de igualdade entre os cônjuges, tendo correlação direta com a situação precária de respeito.
As dificuldades mostram-se maiores quando os Estados mostram grande falta de vontade de alterar as suas leis, e o conhecimento dessas barreiras que ultrapassam o respeito ao multiculturalismo caracterizam violações aos direitos humanos.
A busca da dignidade humana, do respeito e da igualdade de gênero, é uma missão internacional empática dos Direitos Humanos, respeitar e proteger os seres humanos sem que isso caracterize uma lesão aos direitos fundamentais.
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais (Trad. Virgílio Afonso da Silva). Editora Malheiros: São Paulo, 2008. P. 394.
(notas da p. 397: Cf. Platão, As Leis, VI 757; Aristóteles, Política, III 5 (1280a): “Considera-se, por exemplo, que justiça é igualdade, e de fato o é, mas como igualdade para os iguais, não para todos. E considera-se também a desigualdade pode ser justa, e de fato o pode, e não para todos, somente para os desiguais entre si”; do mesmo autor, Ética a Nicômano, V 6 (1.131a). [1]
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
SHAZ, A. Niaz. Women’s Human Rights in the Koran: An Interpretive Approach. HUMAN RIGHTS QUARTERLY. Volume 28, Number 4, November 2006. (p. 869-898). Disponível http://muse.jhu.edu/journals/hrq/summary/v028/28.4shah.html . Acesso em 15/07/2020.
NEVES, Ana Filipa.The Case of Muslim Polygamy within Western European Legal Systems: Comparative Approach between France and England.